Indústria Blogal S/A

sexta-feira, 13 de março de 2009

Carta para minha Velha

Bem, esse aí é um trabalho que eu fiz pra faculdade. Resolvi colocar aqui só pra compartilhar. Espero que gostem.


Carta para minha Velha

Já fazem cinco anos e eu ainda não me acostumei com a sua ausência. E também nunca havia reparado em como nossa casa é grande e tem poucas mobílias. Às vezes me sinto tão pequeno sem ouvir seus passos arrastados no chão da cozinha, sem sentir o cheiro do café pronto e sem os risos matinais referindo-se aos meus cabelos brancos. Fiquei tão acomodado com sua companhia que tem horas que assusta dormir sozinho. Seu perfume na cama alivia a dor da saudade. Mas os garotos ainda vem me ver sempre. Eles sempre foram bons filhos.

O caçula do Marcelo completou cinco meses anteontem, e só sabe chorar e apertar a pele do meu cotovelo quando está no meu colo. Os outros vivem perturbando o pobre do cachorro. Ele também já está velho e cansado, não tanto quanto eu, mas nem se aguenta em pé por trinta segundos.

Eu sei que você nunca gostou de preferências, mas eu preciso confessar querida: Eu tenho um carinho muito especial pela Heloísa. Ela se parece demais com você, e pude sentir isso desde o nascimento dela quando a peguei no colo. Ontem eu a achei no nosso quarto mexendo em suas roupas. E acredite minha velha, ela tem os seus olhos. Seus lindos e belos olhos cor-de mel. Me olhou assustada, e já ia saindo quando a peguei no colo e voltei até o armário com ela. Tirei seu vestido de linho azul e coloquei-o em cima da cama. Me sentei com ela, e a observei enquanto passeava suas pequenas mãozinhas no vestido. Perguntei a ela se gostava de ouvir histórias. Ela acenou com a cabeça e ficou ali comigo sem ver o tempo passar. E pra ser sincero, eu também me esqueci completamente do tempo.

Contei a ela sobre você, nós dois, nossos filhos e sobre toda nossa vida. Acredito que aprendi mais do que ela com tudo que eu disse. Ah Helena! Muito obrigado por tudo que fez por mim e pelos meninos. Hoje eu sei que fui e sempre serei o homem mais feliz da face da terra. Com você vivi os dias mais felizes de minha vida.

Obrigado minha Velha, minha Helena.

Do seu eterno namorado,

Luís Santos



“Não é a ausência que deve acabar logo, a companhia é que deve durar ao máximo”

Flávio Pinheiro


domingo, 18 de janeiro de 2009

Uma semana em Floripa


Eu ía de avião. Ah, como eu queria ir de avião. Mas os dias estavam sendo difíceis pra quem ia viajar nessa época. O caos aéreo ainda era o assunto mais divulgado em toda mídia, principalmente depois do dia 17 de julho de 2007. Eu devia estar em Florianópolis na semana seguinte depois do acidente em Congonhas. Então pra evitar transtornos me colocaram dentro de um ônibus. Tudo bem, não tem muita diferença entre ficar sentado duas horas de vôo, e dezesseis horas de ônibus. Não pra quem dorme feito pedra a viagem toda. Mas infelizmente eu não tenho essa sorte. Passagens compradas, ar-condicionado no frio, último banco ao lado do banheiro e poltrona reservada na janela. Era pra ser uma simples viagem à trabalho, mas aquela semana ia ser uma das mais longas da minha vida.
Passatempo? Quase nenhum se for olhar pelo lado racional. Mas quando não se tem nada pra fazer, além de tentar achar o sono fechando os olhos e todo o lugar vira um imenso círculo de rotina, pelo menos eu, começo a achar algum tipo de distração. Tipo, quantas árvores passam lá fora num intervalo de dez segundos, formar o alfabeto com as letras que aparecem na rua, achar imagens na forma das nuvens, ficar o tempo máximo de olhos fechados na esperança de pegar no sono. Eu sei que parece meio louco, mas é quase impossível não fazer essas coisas quando se tem muito o que pensar. É preciso se distrair, principalmente quando o que mais se tem pra pensar é na possibilidade de perder o emprego, o caso mal resolvido, e uma semana à prova, longe, sozinho, num lugar que você nem conhece. Mas fazer o quê? A gente precisa crescer e abrir mão de certos confortos, e encarar a vida. Então lá fui eu pro Sul, fazer um curso cuja aprovação iria salvar o meu emprego e manteria o sorriso de sempre na minha carteira.
Durante a ida encontrei um antigo amigo meu do ensino médio, Leandro Morani, apelidado de Fábio Bala(jogador de futebol)por motivos que pra mim são totalmente irrelevantes, pois como já disse anteriormente, não sou muito fã de futebol. Conversamos um pouco, rimos bastante dos tempos de colégio, sugerimos ao vento um encontro do pessoal que estudava conosco. E é inevitável a nostalgia que se sente quando encontramos alguém que de alguma forma fez parte do nosso passado. As lembranças, os momentos de palhaçada, de gritaria na sala, daquelas bombinhas que o pessoal da cozinha acendia na sala, e que tem cheiro de peido. Daquela vez o professor Guanabara ficou irado com a turma, saiu de sala, nervoso, quadro meio cheio. Enfim, nessas horas a gente começa a achar que poderíamos ter dado mais moral aos bons tempos que não considerávamos tão bons assim por puro desleixo. E acredite, essa conversa foi só começo de uma eterna reflexão.
No fim da parada do ônibus me despedi do Leandro, já que ele estava numa excursão acadêmica com uma galera da UFRJ. Quanto à mim, voltei para o ônibus escuro com aquelas pessoas estranhas me olhando como se estivessem me lembrando o quão distante eu estava do meu lugar.
A noite e o dia já não faziam tanta diferença dentro daquele ônibus. Não tinha hora pra dormir, e o sono vinha quando não era necessário ter ele por perto. Uns filmecos antigos rolando na televisão. A porta do banheiro abrindo e fechando de tempos em tempos, seguido do anúncio na parte da frente do ônibus. As conversas e risos abafados nos bancos da frente. A lâmpada acesa na poltrona vinte e três que quebrava a escuridão completa da noite. Encurtando um pouco a descrição do cenário: Tédio, puro e simples.
Acho que se fosse em outra época e em outras circunstâncias, aquela viagem com certeza seria muito mais proveitosa do que foi.
Finalmente cheguei à Florianópolis e pra começar minha semana bem, ao levantar da poltrona deixei meu mp3 cair no chão bem do lado do display. O som do vidro quebrando foi o mais perfeito aceno de boas vindas que Floripa poderia ter me dado. Não poderia ter sido melhor, fora as piadinhas dos catarinenses referindo-se ao mp3 como uma vítima de bala perdida. Mas isso era fácil de encarar, eles não são muito engraçados mesmo. Fui ao Hotel aturando o motorista do táxi resmungando igual àqueles desenhos animados antigos. Tudo porque a corrida lhe rendeu dez reais. Enfim, mandei ele se catar e entrei no hotel. Hotel maravilhoso, um quarto ótimo com cama de casal, e um frio de ter que usar dois edredons.
Comecei meu curso, conheci gente nova, fazia as provas, e voltava pro Hotel, tudo sistematicamente premeditado. No café da manha a rotina também era a mesma: um prato com vários pães de queijo e um copo de 500ml de iogurte. Já que ia passar uma semana sozinho ali, pelo menos tinha que dar prejuízo para as tias da cozinha. Toda a noite, o destino era certo: pizzaria. Minha janta não tinha como ser outra, o pessoal do hotel dizia pra tomar cuidado à noite, e as poucas opções que eu tinha eram andar trinta minutos à noite em um bairro que eu não conhecia, e diga-se de passagem que o nome do bairro era "Estreito". Ou ir até a pizzaria ao lado e me afogar nas massas. A solução foi engordar três quilos à mais. Pizzaria de pequeno porte, com no máximo umas catorze mesas, um garçom, um banheiro, dez variedades de pizzas, refrigerantes de 600ml (absurdo não terem em lata), sininho na porta para anunciar a clientela chegando, lá fora uma neblina palpável que esfriava o pensamento, e lá dentro um carioca com duas blusas por baixo de um casaco de couro.
Isso parece até cena de filme de faroeste. Mas sinceramente foi assim mesmo, sem tirar nem pôr nenhum detalhe. Confesso que o ambiente era deprimente, e ainda por cima o garçom veio puxar papo comigo, falando sobre Itália, vinhos, ketchup, pizzas e futebol. Ele falou mais do que eu, mas eu me senti como um bêbado frustrado tendo a atenção de um garçom.
Na realidade, aquela semana já estava me desgastando. O lugar já me fazia ficar cansado sem eu precisar fazer o menor esforço, mas o que mais pesava era a solidão. Acordar e não poder perturbar ninguém, tomar café num salão enorme vazio, me limitar em pensar nas idiotices rotineiras e não fazer ninguém rir com elas. Eram e sempre foram coisas muito difíceis de fazer. A saudade de casa, da família, e dos amigos já era palpável.
Aquele era o último dia de curso e minha última noite no hotel, e achei que isso talvez me faria sentir melhor. Mas ainda era cedo para a aula de vida acabar.
Naquela tarde de sexta-feira, eu voltava do almoço por volta de uma hora da tarde quando encontrei um colega do curso chorando nos braços do professor. Foi uma das piores situações que já presenciei. Não demorou muito pra eu saber que o irmão dele falecera em seus braços à alguns minutos atrás.
Foi inevitável um desequilíbrio emocional durante o resto do dia. Lembro-me perfeitamente que naquela noite eu acordei de madrugada e não parei mais de pensar na minha família e nas pessoas que eu amava. Chorei feito criança. Comecei a analisar tudo o que já tinha acontecido durante todo esse tempo, e nada colaborava com um sono tranquilo: Um avião cai e deixa cerca de 199 mortos, a solidão na viagem, a conversa com um antigo amigo sobre uma boa época, a solidão no hotel, o garçom da pizzaria, e pra terminar com maestria e estilo, o irmão do cara me vem com o papo de querer ficar morto nos braços dele. Naquele momento não conseguia mais ficar calmo.
Você já teve a sensação de não poder ter mais alguma coisa, ou não poder mais desfrutar da companhia de alguém?
Comecei a analisar o valor que eu dava às pessoas e a forma como eu demonstro meu amor por elas. O ruim é que na maioria das vezes nós só pensamos nisso quando sofremos esse tipo de "trauma". A questão é que as pessoas tem um valor pra você. Isso é fato. Seja pouco ou muito, mas tem. E dependendo desse valor, você reage de alguma forma à elas. Se você pode passar mais tempo com alguém, porque não tenta? Se você tem oportunidades de ser mais feliz dentro de sua casa, porque não arrisca? Essas são coisas que podemos perceber agora, e que põe nossa cabeça pra pensar e concluir que o tempo passa. Tudo um dia acaba. E o que você tem feito do tempo que você tem com as pessoas que te amam?
Me entenda bem, não quero apelar para a emoção e conseguir prender sua atenção. Até porque se você chegou até aqui significa que eu a tenho desde o início. Então não estou tentando te emocionar nem espero que você escreva um comentário bonitinho pra me parabenizar por alguma coisa que você tenha lido e achou legal. Vamos tirar de moda frases do tipo: "Eu era feliz e nem sabia" e "Quanto tempo(...)". Irritações, brigas e desentendimentos fazem parte da vida, dessa realidade não podemos fugir. Enquanto estivermos aqui teremos esses infortúnios. Mas as pessoas não são para sempre, elas vão embora, se mudam, terminam os estudos, se formam, se distanciam, morrem. E o que você tem feito enquanto isso não acontece? É como Renato Russo diz: "É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã", e na boa, chega de fazer dessa música um rótulo de personalidade e vamos passar a viver realmente. Hoje podemos usufruir de momentos de alegria e paz com as pessoas que amamos. Tem gente que não tem a mesma chance que você. Então valorize.
Normalmente temos noção do amor que sentimos por alguém quando esse alguém está longe, e esperamos loucamente que o tempo passe, para que possamos revê-lo. Mas tenho aprendido que não é a ausência que deve acabar logo, é a companhia que deve durar ao máximo. Não que eu esteja me gabando, mas tenho posto em prática o que eu estou escrevendo aqui hoje, desde o dia 31 de julho de 2009 quando cheguei na Rodoviária do Rio e vi meu pai. Um sorriso, um abraço e um "eu te amo", e não doeu nada. E acho que até hoje tenho sido assim. Estou no 3ª período da faculdade e fico feliz por ter conquistado grandes amigos em apenas seis meses. Só fico triste em saber que a faculdade vai acabar em.....Ahh!!! Não preciso pensar nisso agora!



Dedico esse texto à minha amiga Jéssica Moreira dos Reis(Quinha).

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O Zé da Indústria


"Meu nome é Flávio, sobrenome, Lopes Magalhães Pinheiro. Lopes de mãe, e o resto de pai. A origem do Lopes vem do nome Lopo, que do latim é Lupu, e que consequentemente é a origem de Lobo(animal). Magalhães vem do português e significa O Grande, e Pinheiro é literalmente a árvore. Pra quem não sabe, é aquela árvore que a gente usa no Natal e tal. E que tem forma pontuda direcionada para o céu(poético). E o meu nome Flávio siginifica "da cor do ouro". Seria então, Grande Lobo Dourado do Pinheiral?"*
Com 20 anos de bagagem nas costas, aonde a maioria sumiu em aeroportos e rodoviárias. Alguns processos em cima da Varig devido à esses infortúnios, e muitos fios de cabelo branco como consequência. Estudante do 3º período de Comunicação Social, e caçula dos três filhos de Acácio e Maria.


* Trecho retirado de um antigo texto.

sábado, 22 de novembro de 2008

Pobre Hitler


Do que adianta falar de Igualdade se somos todos diferentes?
Diferença. Pensar nessa palavra faz lembrar da discussão idiota por algo que nós não aceitamos nas pessoas. Na maioria das vezes, nem discutimos. Simplesmente as excluímos de nossas vidas. Tudo porque não aceitamos as diferenças. Mas o que é mais intrigante é que somos tão fúteis, que preferimos nos isolar do que dar a chance aos outros de uma aproximação. É uma tendência universal: ou lidamos com as diferenças ou nos tornamos amigos confidentes de um espelho qualquer. Nos tornamos seres solitários, hostis, chatos, irritantes, e muitos adjetivos a mais. Muitos sofreram e ainda sofrem por não serem aceitos. Qual o problema? Ser negro, branco, judeu, espírita, cristão, budista, fumante, solteiro, casado, gay, hétero. São tantas as diferenças, são motivos banais demais pra odiar e não aceitar os outros. E, sinceramente, odiar é tão chato. Cansa tanto, a gente perde o sono, ganha olheiras, pára de sorrir, fala alto, às vezes não fala nada. E por que? Porque nos tornamos crianças pirracentas demais pra aceitar as diferenças. Tenta imaginar um mundo sem essas diferenças, onde todos fossem como você. Seus hábitos, suas gírias, seus palavrões, suas músicas preferidas, seu prato preferido, seu time, e todo o resto. Teriam as mesmas notícias pra dar, as mesmas piadas, as mesmas sacanagens todo dia. Respostas premeditadas. A ausência do frio na barriga, na espera daquela resposta decisiva. Zoar o seu próprio cabelo todo dia. Perguntar a opinião de alguém e ouvir o que você acha. As mesmas caras sempre. Que saco! Um mundo tão sistemático e robótico. Eu não quero viver num lugar assim. Cheio de pessoas usando um mesmo cabelo, o mesmo sorriso amarelo, o mesmo perfume. Imagina conhecer a mesma pessoa todo dia. Pensando melhor, acho que a diferença é que faz toda a diferença. Sei que é uma frase clichê e muito óbvia, mas ela é tão certa! Por que o cabeçudo do Hitler não conseguiu ver isso? Era difícil? Se interessar só um pouco por Física e entender que os opostos se atraem, não é pedir muito. Analisando dessa forma, chego a entender por quê filhos descutem tanto com seus pais. Somos iguais a eles, completamente parecidos. Ninguém abre mão da razão, de estar vestido da lógica e com a verdade na mão. É bem verdade que os amo, mas é inquestionável nossas semelhanças. É nessas horas que a gente sente a necessidade de achar alguém diferente. Esse desejo é minuncioso demais pra passar percebido. É inconsciente. Quando percebemos escolhemos os amigos mais esquisitos pra se andar junto. As pessoas mais engraçadas que já conhecemos na vida. Pessoas que pagam mico à cada cinco minutos. E percebemos que são as pessoas mais maravilhosas que poderíamos encontrar no mundo. Uns são gagos, outros tem língua presa, uns pintam o cabelo constantemente, dançam engraçado, falam alto demais em público. Uns são tímidos, não falam quase nada, outros se atiram em fotos alheias com total naturalidade, outros são galudos e falam as cantadas mais ridículas. Uns sabem fazer rir, outros riem demais. Uns se deixam levar por modinhas, outros conseguem falar a verdade e manter a gente na linha. É, somos diferentes. Isso é o que nos aproxima uns dos outros. Somos como somos pra completar aquilo que falta nos outros. É essa a graça toda: a diferença nos une. Do que adianta interagir com pessoas, que tem a mesma opinião que nós sobre tudo? Vai chegar o dia em que vamos enjoar disso, e vamos perceber que perdemos tempo demais selecionando pessoas, como se fossem tomates no sacolão. Nossa cara no espelho já está manjada demais. A diferença encontrada nos outros quebra a rotina. E isso é um dos grandes prazeres na vida. Ser diferente não é ter mais ou menos, é simplesmente ser aquilo que você é. Irônico: A diferença é uma soma. O desejo de ter as pessoas queridas em volta é justamente por causa da diferença, pelo que elas são pra nós. Pobre Hitler, deveria ter discutido mais com seus pais.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Tenho que confessar


Tarde de sol quente na zona oeste, um grupo de pessoas se reúne numa sala de um prédio em Campo Grande. A mulher alta de cabelos negros se pôs de pé no meio da roda de cadeiras, ocupadas por pessoas aparentemente normais e comuns: Um homem, de cabelos grisalhos, com cara de poucos amigos, gordo, e uma mala encostada no pé direito. Uma menina com cara de treze anos, mascando chiclete, usando um batom preto, lápis preto nos olhos, roupas pretas, e um par de botas All Star nos pés. Uma moça grávida, de mais ou menos cinco meses, semblante bonito, solteira, bem cuidada e um lindo sorriso estampado no rosto. Um rapaz com uma careta estranha, magricelo, espinhas na cara, e com uniforme de funcionário do Mc'Donalds, olhando para mulher alta em pé exalando um ar pesado de adolescente no auge da puberdade. Um pai de família, balançando a chave do carro entre os dedos compulsivamente, resmungando em silêncio ansiando a hora de sair dali. E o último, um rapaz magro, cabelos castanhos e olhos verdes, usando um tênis de quatro listras. Finalmente a mulher alta se pronunciou ao grupo.
- Boa tarde pessoal. Meu nome é Ângela, e eu vou ser sua supervisora e conselheira de hoje na nossa terapia de grupo, portanto quero que todos se sintam à vontade pra falarem o que quiserem e sobre o que quiserem. Como todos perceberam antes de entrar aqui, vocês assinaram um termo de sigilo total sobre tudo que é falado aqui. Sintam-se à vontade porque tenho certeza de que ninguém aqui tem motivos pra falar nada lá fora.
Olhares se cruzavam ferozmente na sala enquanto Ângela falava, como se jurassem um ao outro de morte, caso suas palavras saíssem daquelas quatro paredes.
- Pra começar gostaria que cada um se apresentasse, dizendo nome, idade e o motivo de estar aqui. Ok? - Esperou em vão uma confirmação, e continuou a fazer exigências difíceis aos pacientes: - Quem é o primeiro?
Ângela se calou, mas a pergunta ainda pairava sobre o ar daquela sala. Todos se olhavam esperando que alguém tomasse a iniciativa, mas nada aconteceu.
- Tudo bem! - Disse Ângela - Eu primeiro.
- Mas você é a psicóloga! Você deveria ouvir a gente! - Interrompeu a menina de All Star.
- Exatamente! Eu sou a psicóloga e você é a paciente. - Retrucou Ângela - Então comece falando você, caso contrário eu aproveito o seu precioso tempo e falo dos meus problemas e da minha vida. O que que você acha?
A menina ficou encarando Ângela secamente, mas não encontrou nenhuma resposta à altura. Teve que aceitar a proposta, e começou o que era sofrimento pra todos na sala:
- Meu nome é Clarissa, tenho catorze anos, e vim pra minha mãe parar de encher meu saco.
Ângela nem precisou perguntar. Logo, foram surgindo novos adeptos ao movimento.
- Ehhhh.... - O homem gordo gaguejou antes de continuar. Ajeitou o óculos no rosto e finalmente disse: - Meu nome é Tomas, e eu tenho trinta e três anos. Minha esposa me aconselhou terapia de grupo, e é só.
Era a vez do rapaz com espinhas.
- Meu nome é André, mas os amigos me chamam de Dézão. Tenho vinte e quatro anos, e meu chefe me aconselhou a vir aqui, disse que eu precisava. Mas eu só vim pra assinar a ficha de comparecimento e "meter o pé". E mais uma coisa Ângela. - Disse olhando para ela, forçando uma careta - Eu adoraria saber mais sobre a sua vida! - Finalmente finalizou sua apresentação com uma piscada de olho para Ângela.
- Concordo com seu chefe! - Alfinetou Ângela. - Próximo!
Mesmo querendo rir, o rapaz de olhos verdes deu sequência as apresentações.
- Meu nome é Flávio, tenho vinte anos, e "tô" aqui porquê uma amiga me indicou. Nada demais. Aí eu vim pra ver como é.
- Ótimo. Próximo!
Com um sorriso contagiante a futura mãe se apresentou:
- Meu nome é Samara, tenho vinte e dois anos, e vim mais pela saúde do bebê. Minhas amigas me disseram que seria bom pra mim e pro bebê, até porquê eu tenho me estressado com o pai. Mas enfim, estou aqui.
- Que bom Samara, é bom você querer preservar sua saúde emocional e mental. Qualquer coisa que te afete também afeta o bebê. Espero que você aproveite ao máximo esses momentos. Próximo!
A chave caiu no chão. Enquanto se abaixava fez a apresentação.
- Eu me chamo Andrade, tenho cinquenta e três anos e só vim pra satisfazer a vontade das minhas filhas e da minha mulher. Vamos acabar logo com isso porquê eu estacionei do lado da Moacyr Bastos, e ainda por cima, no sol.
- Entendo seu descontentamento Andrade, mas só iremos terminar no horário estipulado, ou talvez se todos tiverem falado o que quiserem, certo? Se você quiser sair antes disso fique à vontade.
- Tanto faz! - Respondeu grossamente.
Finalizada as apresentações, Ângela tomou o rumo que a maioria evitava, pelo menos antes de alguém começar.
- Ok. Já nos apresentamos, sabemos nossos nomes, e agora é hora de ouvir-mos uns aos outros. Quem começa?
Silêncio.
- Gente, eu poderia usar a mesma tática que usei com a Clarissa, mas sinceramente, não estou muito afim de falar de mim. É como ela mesmo disse, eu sou a psicóloga, vocês são os pacientes. Vocês estão aqui para falar, para dizer o que sentem, o que acham em relação à algo. Enfim, digam o que vocês quiserem. Qualquer coisa que incomode vocês, ou que vocês nunca compartilharam com ninguém.
A voz de Ângela foi interrompida pelo anúncio imprevisto:
- Eu começo!!! - Disse Flávio olhando firme pra Ângela.
- Graças a Deus! - Angêla sorriu.
- Sobre qualquer coisa Ângela? - Perguntou para ter garantia de não receber nenhuma advertência desnecessária.
- Qualquer coisa Flávio. - Respondeu Ângela imaginando o que estaria prestes a ouvir.
- Quanto tempo?
- O tempo que você achar necessário.
Suspirou fundo, e deixou seus pensamentos saírem através de simples palavras.
- Tenho que confessar: Não sei quando é impedimento no futebol, nem muito menos tenho um time pra torcer. Na verdade, não faço muita questão de adotar um time pra torcer. Simplesmente torço pelo time dos amigos, ou da maioria. Consequentemente, caso role pancadaria eu vou estar com a maioria. Não me empolgo com Campeonatos Cariocas, Ligas de não-sei-o-quê, etc. A única que salva é Copa do Mundo. Mas ainda assim, nunca comento sobre futebol. Isso tudo porque eu não entendo de futebol. Não sei andar de patins, e resolvi não fazê-lo definitivamente quando quase quebrei a perna e acabei me ralando todo no muro chapiscado da minha casa. Falo dormindo, embora não tenha acreditado nisso durante muito tempo. Muitos diziam que eu falava dormindo e ficavam me sacaneando, e o fato de me sacanear é que me fazia duvidar, pois na maioria dos casos essas pessoas inventam coisas só pra rir dos outros e chamar a atenção. Depois que minha mãe me disse eu tive que acreditar. Então dessa vez eu abaixo a cabeça, reconheço e aceito esse meu charme: Eu falo dormindo. Me enrolo toda vez que como em restaurantes e lanchonetes como Mc´Donalds e Bob´s. Na hora de pedir é sempre o mesmo sofrimento. Os atendentes perguntam se eu aceito uma coisa que eu nem sei o que é, e assim fica complicado me decidir. Principalmente com a pressão psicológica que rola quando você percebe que a fila está crescendo, e sabe que você é a causa do problema. Só vou quando tem mais alguém comigo, aí é só falar que eu quero o mesmo que o outro pedir. Mas eu sei e vocês sabem que isso é questão de prática, então não venham me rotular de alienado. Não sei nadar, nem ao menos boiar. Me limito somente ao cantinho das crianças na piscina. As vezes me aventuro a ir mais pro fundo, mas segurando a beira da piscina sempre. Pelo menos, uma coisa é certa: Nunca me afoguei. Durmo profundamente em ônibus e trens. E sempre procuro os pontos mais estratégicos para ter um sono tranquilo, e acreditem, eu até sonho. O macete é escolher o lugar certo e pensar da maneira certa. Antes de subir no ônibus, observe a posição do sol em relação ao ônibus.
- E se o ônibus estiver andando de ré? - Interrompeu André enquanto ria, tentando chamar a atenção de Ângela.
- André, por favor não interrompa! E antes que você pergunte, não! Eu não quero sair com você! Por gentileza Flávio, continue.
Durante cinco segundos a sala ficou em completo silêncio, enquanto todos menos Ângela, olhavam para a cara envergonhada e repleta de espinhas, de André. Até que Flávio deu sequência à sua confessão.
- Dependendo da direção em que o ônibus vai, o sol vai estar de um lado ou do outro. Então não se engane. Procure sentar na janela. Caso os bancos sejam ruins e não tenha onde reclinar a cabeça, encoste-a na janela. Não recomendo essa tática caso você use cabelo arrepiado. Quando você chegar em casa vai reparar que sua cabeça está esquisita. Um lado arrepiado e o outro com o cabelo prensado. Isso é sério! Experiência própria. E só nessa hora descobri a razão de todos me olharem no ônibus, na rua, no centro de Campo Grande, no outro ônibus, na minha rua, e no portão de casa. E se der mole, até minha tartaruga reparou. O único sincero e cara de pau o bastante pra falar foi o espelho do banheiro. Esse nunca vai mentir pra você. Voltando ao ônibus. Se estiver fazendo calor abra bem a janela, o vento ajuda o sono. Se estiver chovendo escolha o lado direito do ônibus. Sempre tem um ou uma imbecil com a janela aberta do lado da pista contrária. E é certo de alguém tomar água na cara, e esse alguém não vai ser você. Tome cuidado pra não bater a cabeça na maçaneta da janela. Vai por mim, dói muito! Principalmente se bater duas vezes no mesmo canto da testa. Quando era pequeno, eu tinha medo do mundo virar de cabeça pra baixo. Evitava andar em campo aberto durante muito tempo. Ficava incomodado nos engarrafamentos da Av. Brasil, preocupado de dar a louca na gravidade terrestre. Coisa de criança. Nunca gostei de usar banheiro da escola, mas aos seis anos de idade me vi forçado à quebrar o jejum. Mesmo contrariado pelo meu organismo, reconheci que não havia nada que eu pudesse fazer e me entreguei. Fui ao banheiro esperando alguma outra opção repentina, ou uma professora bem legal que pudesse perceber o desconforto e a vergonha de uma criança, e me levasse a um banheiro melhor. Um sonho, nada mais que um sonho. A necessidade era mais forte. Entrei no banheiro, me tranquei, e em menos de dois minutos alguém bateu na porta. Minha barriga congelou, minhas pernas tremeram e minhas mãos se fecharam violentamente, só por ter alguém do lado de fora. O fato de eu usar o banheiro da escola era desconfortável, quanto mais alguém do lado de fora querendo dividir esse fardo comigo. Só por isso, um simples "Tem gente!" resolveria o problema. Mas eu fiquei calado até a terceira batida na porta. Meu "oi" saiu querendo voltar pra dentro de mim, em um desespero frenético e compulsivo. Até que fui pego de surpresa com aquela pergunta e com aquela voz: "Flávio?!". A resposta foi imediata: "Mãe?". Era ela. De todas as pessoas que haviam ali, foi ela quem resolver ir ao banheiro justamente naquela hora. Mas o que mais me intriguou foi o fato dela estar no banheiro masculino. Fui logo perguntando: "Que que a senhora tá fazendo aqui no banheiro dos homens?". Ela foi logo respondendo: "Que que VOCÊ tá fazendo aqui no banheiro das mulheres?". Por mais que seja constrangedor, não entrei em pânico. Era minha mãe que estava ali. Isso que importava. O verdadeiro pânico apareceu quando eu fui me dar conta, de que poderia aparecer qualquer garota ou mulher no banheiro ao invés dela. Penso nisso até hoje, e confesso que é inevitável o frio na barriga. Odeio quando a caneta falha quando eu estou escrevendo. Pior, quando a gente rabisca no canto da folha ela sempre funciona. E quando vamos voltar a escrever naquele ponto em que paramos, ela falha de novo. Esse processo se repete até perdermos a paciência. É deprimente. Quando faço Nescau, eu taco o Nescau no leite e observo ele afundar naturalmente, sempre dá a impressão que é uma ilha afundando. Se eu estiver andando e ver uma formiga bem onde eu vou pisar, eu encosto o calcanhar no chão e refaço meu caminho. É meio louco, mas é isso que eu faço. - Mais o quê? - Pensou alto. - Pessoas. Odeio quando tentam aparecer às minhas custas. Querendo chamar a atenção dos outros para mim. Não gosto de aperto de mão fraco. Demonstra falta de confiança e coragem. Sei lá! Não aperte minha mão se não souber como se faz! Já procurei uma menina desaparecida com meu irmão e um amigo, quando éramos crianças. Tenha certeza de que ela não estava no nosso bairro, acredite, revistamos todo o lugar. Quando meu pai começou a dirigir eu devia ter uns dez anos. Eu tinha medo dele na direção, e ficava deitado no banco de trás com os ouvidos tampados. A desculpa era sempre a mesma: "Só tô descansando!". Mal sabia ele do meu pequeno segredo. - Sorriu - Mas hoje ele já "tá" mandando ver. Já me envolvi com garotas legais, chatas, sebozas, simpáticas, mesquinhas, infantis, maduras, amigas, traíras, etc. No final a gente sempre aprende alguma coisa pelo menos. Mas uma característica em comum entre elas é palpável. - Olhou pro alto e sorriu de novo - São muito complicadas. Mas sem elas nada tem graça. É claro que são difíceis, e quando você ama demais tem medo de perder. Principalmente se a suposição de ser traído, ou de que foi traído, for levantada. A maioria dos amigos que eu tenho são canalhas assumidos por terem amado mulheres traíras. Mas não posso condenar. Nada é certo no amor. É um ciclo onde homem e mulher acabam se magoando. É como fogo cruzado, um atira contra o outro. Mas sempre tem uma bala perdida que acerta um inocente. E quando você se dá conta o inocente é você. E essa bala perdida acaba aumentando o número de homens canalhas e mulheres revoltadas com os homens. É fato. Já pensei em me entregar à essa doença, mas não nasci pra isso. - Sorriu. - Acho que eu combino mais com as campanhas e passeatas contra a violência ao coração. Vou ser sincero com vocês, tem vezes que cansa ser assim. Dá vontade de sair por aí atirando contra algum coração inocente. Mas quando vejo, já fui pego por alguém. Não um alguém qualquer, até por que depois de experiências com tiros anteriores você acaba ficando imune à balas que não prestam. Cada romance novo, é uma nova chance ao coração. Chance de acreditar que ainda existe alguém legal, em algum canto por aí. Tem um monte de gente feliz por aí, namorando com gente maneira, rindo e se divertindo. O sol nasceu pra todos, é só a gente sair da sombra. - deu de ombros. - Mas nem sempre é assim. - sorriu. - Também tem seu lado bom e engraçado: O beijo gelado com Halls preta.- O sorriso se intensificou.- O simples pedido de uma ligação quando chegar em casa pra não deixar ela preocupada, a primeira vez que você prova da comida dela, a música que ela ouvia enquanto falava com você no telefone de madrugada, a roupa que ela usava no primeiro encontro, a primeira conversa reveladora no Msn até as três da manhã, a confusão pra encontrar a casa dela com o motorista de táxi, os cinco minutos do filme que você não viu no cinema porque ela te beijou do nada, a reação no rosto dela ao receber aquela carta por correio, coisa que ela nunca recebeu de ninguém. Descobrir na hora de ir embora, o quanto a presença dela é importante. A despedida de uma hora no portão, com desânimo ao extremo. O sorriso dela ao ganhar as flores na porta de casa, o abraço repentino e espontâneo por trás de você, o sussurro no ouvido, o cala-frio na nuca, o beijo no pescoço, a pele macia, o perfume que fica impregnado na blusa, tão irresistível que faz você dormir com a blusa na cara. A mesma vergonha infantil quando ela olha pra você, a alegria de apresentar ela aos amigos mais próximos, à família. Os planos para o fim de semana, o ciúme de ver outro cara se aproximando dela, ou ultrapassar o limite de contato estipulado na nossa mente apaixonada, a primeira conversa tímida depois da confissão, o sentimento de proteção quando você abraça ela, o primeiro confronto inesperado com a TPM, a conclusão de saber que ela vale tanto a pena à ponto das outras não te chamarem mais a atenção. - Parou de repente e perguntou preocupado. - "Tô" falando muito né?
Andrade foi o primeiro a se pronunciar.
- Continua garoto, eu quero ouvir. Te dou o meu tempo se precisar! - Disse surpreendendo a todos na sala.
- Continua cara! - Clarissa reforçou. - "Tá maneiro!".
- É Flávio! Eu "tô" gostando de te ouvir. - sorriu Samara.
Soluços ecoavam pela sala vindo de Tomas. Levantou-se da cadeira surpreendentemente com lágrimas nos olhos.
- Desculpe, só um instante por favor! - Pegou o celular do bolso, foi até o canto da sala e discou o número até atenderem. - Márcia? Liguei pra dizer...Que te amo. - Sorriu sem-graça.
Ângela deixou Tomas à vontade para conversar com sua esposa , enquanto todos estavam olhando para Flávio. Meio envergonhado com a atenção, Flávio ouviu de Ângela um pedido comum.
- Flávio! - Disse Ângela com um sorriso. - Continua.
O único que ficou calado foi André, com medo de represálias, em forma de palavras, de Ângela.
- "Tá" bom! - sorriu. - Gosto de músicas românticas, bandas como Roupa Nova, Skank, Jota Quest, Paralamas, Leoni, André Leono, Moska, Lulu Santos, Cidade Negra, Kid Abelha, e outros aí. Gosto das letras, e da parte instrumental da música. Tem que ter conteúdo, mensagem aproveitável e que possa ser bem digerida. Preciso confessar que gosto do ritmo de funk, não as letras fúteis, mas sim do ritmo. É inevitável, sempre bato o pé no chão com funk. Falando em ritmo, eu toco um pouco de bateria. Não como eu gostaria, mas dá pra fazer uma graça. Nunca me interessei, até que com catorze anos fiz uma bateria de lata pra brincar na varanda com meu irmão que tocava baixo. Peguei gosto pela coisa, e hoje já estou com umas quatro baquetas quebradas no currículo. Baterista sempre passa por essas coisas. Bater os dedos no aro dos tambores e sentir a dor e o sangue respingando na blusa, incomodar os outros com o som, rachar prato, rasgar pele, perder as peças pequenas porém importantes. Tudo normal pra um batera como eu, um bom de verdade comete esses delitos uma vez na vida outra na morte. - sorriu. - Há muito à se aprender ainda. Foi o que descobri com a bateria. Quando comecei, sempre via os caras mais velhos que eu, como verdadeiros monstros. Hoje acredito que passei eles em questão de conhecimento e técnica. Mas vai de cada um querer aprender e crescer. Enfim, passei eles e ainda me vejo um baterista medíocre. Na boa, eu vejo vídeos no Youtube de profissionais de verdade e chego à conclusão que aprender é uma parada sem fim. Vai sempre existir alguém melhor que você em alguma coisa, e sempre algo à mais pra se aprender. A questão é querer. - De repente Flávio parou de falar.
Tomas voltava à sua cadeira com a cabeça abaixada.
- Só um instante Flávio, por favor. - Ângela pediu. Olhou para Tomas. - Tomas, gostaria de dizer alguma coisa?
Todos voltaram seus olhos para Tomas.
Ergueu a cabeça e ajeitou os óculos. - Filho, continua que eu quero saber se vou precisar ligar pra mais alguém. - Deu um sorriso de orelha à orelha. Todos riram.
- Flávio. - Ângela não precisava dizer mais nada.
- Ok. - sorriu. - Lembrei dos meus celulares. Cheguei a usar três. O melhor pra ouvir música, um antigo todo ferrado, e o outro pra serviço e pra ligações normais. Pra ser mais breve, o melhor que tinha mp3 sumiu, o que eu uso pra serviço já está com os botões faltando. O único que ainda está de pé, firme e forte é o antigo. Um daqueles com luz azul, joguinho de cobra e tons jurássicos. - Comentou de repente e sorriu - Isso era totalmente irrelevante se comparar com tudo que eu já falei aqui. E sei que não vai fazer ninguém chorar, mas é chatão ver aquele Motorola de luz azul no meu armário e saber que nunca mais vou ver o meu Nokia preto, com Bluet tooth, mp3, e o mundo todo dentro dele. Acho que por enquanto é só.
Antes de alguém dizer alguma coisa, alguém bateu à porta.
- Entra. - Convidou Ângela.
Era a secretária da clínica.
- Ângela, desculpa. É que tem gente aqui fora querendo entrar pra participar da reunião de vocês.
- Que gente?
- Estão dizendo que são leitores do blog do Flávio ou alguma coisa do tipo. E disseram que também querem se "confessar". O que eu faço?
-Pode trazer.
- Tá.
- Mais convidados. - levantou da cadeira e foi em direção à porta. - Boa tarde gente. Fiquem à vontade, sentem-se e fiquem quietos por enquanto por favor..
Enquanto chegavam iam se espremendo, e alguns sentando no chão.
- Bem. - Ângela se pôs no meio de todos e disse. - O último a falar foi o Flávio. Quem é o próximo?